O militar que pôs termo à vida ao pequeno Rufino António é de fácil identificação por ser o único, num grupo de quatro soldados, a disparar contra as pessoas que reivindicavam as suas habitações, contaram ao Folha 8 algumas das testemunhas do infortúnio.
Por Antunes Zongo
Amorte a tiro do pequeno Rufino António, de apenas 14 anos de idade, às mãos de um operativo das Forças Armadas Angolanas (FAA), destacado ao Posto Comando Unificado (PCU) do Zango, no passado dia 06.08.16, instalou um medo sepulcral aos moradores do bairro Walále, no Zango II, a tal ponto que se negam a prestar qualquer informação às pessoas estranhas ao bairro, sobretudo aos jornalistas.
Entretanto, para melhor informar sobre o nefasto acontecimento (até por ser um imperativo constitucional, que sejam informados), a nossa reportagem deslocou-se ao local do incidente, para, entre outras, trazer à luz o retrato falado do autor do referido disparo letal.
Na zona, nenhum morador quis ser visto connosco, tudo por causa dos patrulhamentos constantes e das ameaças proferidas pelos militares no local. Ainda desolada, a mãe do defunto tentou partilhar com o F8 algumas novidades, mas a forte emoção (ainda patente) gerada pela morte do filho, tornou-a incapaz de o fazer.
A nossa equipa palmilhou o bairro em busca da informação desejada e que por medo nos era negada, mas quase ao anoitecer, encontramos duas testemunhas um pouco mais corajosas do que as outras, que aceitaram abordar o assunto, mas sob anonimato.
“As pessoas estão a dizer que não viram ou que não podem falar nada sobre o caso, por causa do medo que nos impuseram. Todo mundo aqui viu como o Rufino morreu e quem foi o autor dos disparos. O incidente ocorreu no dia 06.08.16, mas um dia antes, havia demolições de casas no Sembéle, já no sábado, quando estavam a partir as residências no Nguimbe, zona próxima à nossa, os mais velhos do bairro juntamente com os filhos – onde também se juntara o pequeno Rufino, apelavam aos militares para que não partissem mais casas, já que não temos para onde ir”, disse inicialmente uma das testemunhas, acrescentando, que, “face aos nossos gritos de lamentação e apelos, dois dos militares, num grupo de apenas quatro soldados, começaram a fazer os disparos, o mais baixinho e fisicamente mais forte fazia tiros ao ar, já o mais alto e magro, com a cor da pele um pouco mais clara, fez disparos direccionados à população e daí vi o menino Rufino a cair”, revelou.
“É fácil apanha-lo, primeiro: eram somente quatro militares – um numa das máquinas em serviço, outro no interior duma viatura Land Rover e apenas outros dois faziam os disparos, segundo: basta as autoridades competentes questionarem o comandante da operação, quais foram os homens que ele havia destacado para o Nguimbe, por cerca das 16/17 horas do dia 06 do presente, terceiro: dentre os que faziam os disparos, o homem que matou é o mais alto, magro e tem a cor da pele um pouco clara”, insistiu a fonte.
Comandante da Polícia do Zango I agredido
Segundo as testemunhas, após terem acertado mortalmente no puto Rufino, os militares evadiram-se da zona, em pranto a população chamou a Polícia para remoção do cadáver.
No local, enquanto a Polícia e os populares aguardavam a chegada do SIC, órgão do MININT especializado na recolha de cadáveres para as devidas perícias, os militares responsáveis pela morte do menino, regressaram ao bairro com mais homens rigorosamente armados e exigiram ao comandante da 47ª Esquadra da Polícia do Zango I, que lhes entregasse o corpo do pequeno assassinado. Face à resistência apresentada pelo referido comandante que apelava ao cumprimento das regras estabelecidas, os militares, obviamente poucos habituados ao cumprimento de normas fora dos seus preceitos, desferiram vários socos e pontapés ao comandante da Polícia – diante dos subordinados deste, que, em número reduzido, viram-se impotentes para acudir ao “chefe”.
“Somente estamos a pedir que se faça justiça, o miúdo não pode morrer como se fosse um cabrito. Apanhem o culpado, o povo está disposto a colaborar. Por outro lado, estamos a ouvir que a UNITA é culpada destes tumultos aqui, não é verdade. O povo sabe que é a tropa do Presidente da República que está aqui, e assistimos a essa mesma tropa a executar o Rufino, portanto, caso se importam mesmo com o povo, retirem daqui estes militares, pois têm actuado como se fossem terroristas – eles não se fazem acompanhar das suas respectivas patentes, braçal ou crachá, e as viaturas que usam não têm matriculas. São verdadeiros bandidos”, desabafou outra testemunha enfurecida.
Exército dá 15 dias para populares abandonarem a zona
À nossa reportagem, para além de apelarem às autoridades competentes para que se faça justiça à morte do pequeno Rufino, os populares aproveitaram a ocasião para denunciar à opinião pública nacional e internacional, que sem competências, o Posto Comando Unificado local notificou-os para abandonarem as suas residências, no prazo de 15 dias, a partir do dia 07 passado.
“O problema é que não sabemos qual é o sítio que não seja do Governo, para lá irmos. Eles (militares) estão a dizer que ocupamos uma zona privada, mas o caricato é que estamos aqui há mais de 30 anos, tudo isso era mata. Posso até nomear os nossos velhos do bairro que começaram a lavrar esta zona desde 1978: o mais velho Francisco está aqui há 30 anos, o velho Félix está aqui há 40 anos, o velho Adão, o falecido mais velho Adão Jorge, tio Lucas, o mais velho Pedro, velho Abel Domingos, o mais velho António e o mais velho Fototó, portanto, todos estes são camponeses que fizeram aqui famílias, posteriormente, os filhos também formaram suas próprias famílias, acham que o bairro assim não cresce e as matas desaparecem?”, questionou outra fonte, tendo garantido que não tem para onde ir, e apela ao Governo que o indique um local para viver.
PCU é incompetente para notificar as famílias
Contactado a propósito, o Coordenador da SOS Habitat, Rafael Morais, considerou ilegal e abusivo a notificação com o cabeçalho da Zona Económica Especial e assinada por um militar, que convida os moradores do bairro Walále a abandonar a zona por iniciativa própria, num prazo de 15 de dias, cuja contagem teve início no pretérito dia 07.
“A princípio, o PCU é uma estrutura que foi criada por Decreto Presidencial somente para controlar os terrenos que pertencem às áreas de Reservas Fundiárias, em face disso, não tem competência para notificar nenhuma comunidade”, disse, adicionando, que, “os órgãos competentes para o fazer são as administrações comunais e municipais, no entanto, a acção ligada a essa situação não tem legitimidade”, garantiu.
Para Rafael Morais, a administração municipal de Viana ou a de Calumbo devem pronunciar-se sobre o facto, pois segundo ele, no momento em que o Governo delimitou as alegadas Reservas Fundiárias do Estado, o bairro Walále já albergava um significativo número de famílias.
“Rigorosamente, para a SOS Habitat, quem tem o condão de notificar ou decretar despejo habitacional são os Tribunais, e as forças legalmente para o fazer cumprir, são os órgãos da Ordem e Tranquilidade do Ministério do Interior”, alertou o activista.